Um projeto de lei (PLC 174/2020) avança na Câmara de Vereadores do Rio, apesar de sua tumultuada e irregular tramitação. Isto porque o Mandado de Segurança impetrado por 11 vereadores, que questiona a irregularidade no procedimento de sua tramitação, não conseguiu obter, em 1ª instância judicial, a liminar para obstaculizar o seu prosseguimento. E, sem a liminar e com a votação do projeto, o mérito do Mandado de Segurança perderá seu objeto; assim nem precisará ser julgado. Resta o recurso desta decisão ao Tribunal para tentar barrar a continuidade da votação legislativa ilegal.
Havendo recurso, a esperança é que o Tribunal compreenda melhor o que o Juízo de 1º grau não compreendeu, ao examinar a questão.
Em sua decisão negando a liminar aquele Juízo, depois de afirmar que não houve audiência pública necessária, pois esta teria sido “anulada”, negou a liminar por declarar que não houve “prova cabal” de que o Conselho Municipal de Política Urbana (COMPUR) não foi ouvido, e nem de que houve “ausência de estudos de impactos completos”.
Fatos notórios – Ora, estas provas estão nos autos, nas afirmações feitas pela própria Secretária de Urbanismo na tal “audiência” pública virtual, dita anulada, além de serem fatos notórios. Afinal, o projeto de lei foi encaminhado à Câmara sem os estudos e sem que em sua mensagem de encaminhamento fosse dito e esclarecido, como deveria, quando a proposta teria sido submetida ao COMPUR, e com base em que estudos!
Portanto, a decisão supra mencionada é inconsistente em sua própria fundamentação, e excessivamente “cautelosa”, frente ao direito público subjetivo dos parlamentares de garantir o devido processo legal do procedimento legislativo, antes que uma lei formalmente inconstitucional seja aprovada.
Direito subjetivo dos parlamentares de garantir o devido processo legislativo regular
Este direito dos parlamentares de garantir o devido processo legal do processo legislativo é a jurisprudência assentada pelo STF desde 2004, e consolidada no Mandado de Segurança 24.667, Pleno, Min. Carlos Velloso, DJ de 23.04.04; lá é afirmado ser direito subjetivo do parlamentar “e somente do parlamentar – … impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou emenda constitucional incompatíveis com disposições constitucionais que disciplinam o processo legislativo”.
Ora, se no Brasil não há controle prévio de constitucionalidade para coibir leis materialmente inconstitucionais, há, ao menos, o reconhecimento de um direito subjetivo do parlamentar de pedir à Justiça que garanta o devido processo legislativo legal, na forma de se fazer uma lei. Isto é um mínimo de controle formal do processo legislativo, para impedir a enxurrada de leis inconstitucionais, especialmente as estaduais e municipais que assolam os Tribunais do País.
Controle da legalidade e constitucionalidade de leis urbanísticas pelo Tribunal do ERJ
É bem verdade que a Justiça do Estado do Rio tem pouca tradição no que tange ao controle de legalidade de leis urbanísticas, tanto formal, como material. Poucas são as ações judiciais que questionam o processo pelo qual estas leis são feitas, sem audiências públicas no âmbito do Executivo, e sem apresentação de estudos que embasam as propostas.
A falta de questionamento judicial leva a falta de formação de caldo jurisprudencial que garanta um controle destas leis urbanísticas. Como consequência, as casas parlamentares se sentem muito à vontade de continuar propondo leis inconstitucionais, seja na forma, seja em seu conteúdo material, pois confiam na dificuldade que o cidadão tem de obter na Justiça um controle eficiente – a tempo e a hora – de modo a evitar consequências urbanísticas na cidade. As decisões judiciais de questionamento, quando há ação, levam anos. E, por isso, são ineficazes para estancar as ilegalidades no processo urbanístico da cidade.
Isto não acontece em todo o Brasil da mesma forma. O Tribunal de Justiça de São Paulo tem consolidado posição no sentido de que as leis urbanísticas, todas elas, têm de ser precedidas de estudos técnicos e participação social em suas elaborações, sob pena de inconstitucionalidade formal. Mas, no Tribunal do Estado do Rio, seus juízes ainda não têm clareza de que esta exigência formal para elaboração de leis urbanísticas, se não atendida, macula a proposta legislativa urbanística.
A qualidade urbanística da cidade se garante com leis urbanística de qualidade
Muito se fala hoje, em meio à pandemia da Covid-19, em cidades com melhor qualidade de vida. É óbvio que isto decorre diretamente da qualidade da legislação urbanística. Por isso, nenhuma lei urbanística deve ser feita para circunstâncias temporárias. Elas são estruturais e, por isso, têm que ter permanência. Daí a importância de fundar-se em estudos técnicos, que devem ser apresentados ao maiores interessados : os moradores da cidade.
E quem pode e deve se manifestar sobre a cidade que queremos?
A Câmara de Vereadores? Sim, com certeza. Mas, sem ouvir os moradores da Cidade?
No caso do PLC 174, mesmo sem ter acesso à apresentação dos estudos técnicos, e sem a realização de audiências públicas em seu processo de elaboração, os moradores, e os profissionais de urbanismo, esses já se manisfestaram contra o PLC 174. Mais de uma dezena de associações de moradores e inúmeras entidades profissionais de arquitetos, engenheiros, advogados rejeitaram, veementemente, o projeto de lei 174, uma vez que suas propostas são notoriamente contrárias ao Plano Diretor vigente!
E também o Ministério Público do Estado RJ já recomendou a não aprovação do referido projeto de lei por não atender aos requisitos formais de legalidade, e ao Plano Diretor da Cidade.
Então, a quem interessa aprovar este caos urbanístico para o Rio, materializado no PLC 174?
Ao Prefeito atual e aos seus amigos? Aos amigos dos amigos de alguns vereadores?
Será que precisaremos de anos na Justiça para declarar esta eventual lei inconstitucional? Ou, antes dela, na 1ª votação do projeto na Câmara de Vereadores, vamos ter legisladores que estarão ouvindo os moradores da cidade e as entidades profissionais especializadas?
A conferir, em breve, seja na Câmara, junto aos vereadores que lutam para se reeleger, ou, se for o caso, na Justiça.