No dia 12 de maio, o Prefeito Crivella surpreendeu a Câmara de Vereadores e, os cidadãos da cidade do Rio, com o envio do Projeto de Lei Complementar 174/2020. Seu pretexto foi o de arrecadar dinheiro para a Prefeitura, via remissão parcial de multas de “mais valias”, regularizações de obras e ainda a flexibilização da legislação urbanística.
A proposta legislativa foi surpreendentemente “ousada” (para usar um termo leve) do ponto de vista urbanístico, já que propõe fazer um “perdão” urbanístico a troco de dinheiro. Tudo isto sem que a mesma passasse pelo COMPUR (Conselho de Política Urbana do Município do Rio), ou que se fizesse audiências públicas para sua elaboração.
A Câmara, que funciona precariamente e em regime de exceção – para atender somente a projetos de lei relacionados à COVID-19, segundo a sua resolução – não devolveu o Projeto de Lei Complementar ao Executivo! Deu tramitação ao mesmo, remetendo às Comissões internas que não estão se reunindo de forma ordinária e, por isso, não podem examiná-lo como o assunto exige.
A Câmara, a pedido da Comissão de Urbanismo, também marcou e realizou uma primeira consulta virtual sobre o referido projeto de lei, “chamada” de audiência pública, no dia 25 de maio de 2020, e na qual houve uma insuficiente e primária fala técnica sobre o projeto por parte de funcionários do Executivo. Mapas, plantas, diagnósticos, estudos técnicos e financeiros sequer foram encaminhados junto com o projeto.
Inúmeras entidades profissionais da Cidade já se manifestaram radicalmente contra o projeto, que abaixo listamos, com link aos seus textos completos:
Senge RJ (Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio): “O Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (SENGE RJ) vem repudiar enfaticamente a ação da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, que enviou mensagem à Câmara dos Vereadores, propondo a discussão e aprovação do PLC 174/2020, que estabelece incentivos e benefícios para pagamento de contrapartida no licenciamento e legalização de construções no Município do Rio de Janeiro, em caráter temporário, mediante benefícios urbanísticos (…) “.
FAM-Rio (Federação das Associações de Moradores do Rio): ” Vimos por meio desta solicitar à Vsa Exa a devolução do PLC 174/2020, por seu caráter notadamente inapropriado para os fins que menciona, sua flagrante inconstitucionalidade por contrariar normas legais hierarquicamente superiores e, ainda, pela ausência completa de análise quanto aos impactos advindos de sua aplicação sobre o adensamento dos bairros, a capacidade de suporte da infraestrutura urbana, a paisagem urbana, o meio ambiente e a valorização imobiliária entre outros aspectos.”(…)
Associações de Moradores do Jardim Botânico, Freguesia, São Conrado: “(…) solicitar que Vossa Excelência [Presidente da CMRJ] SUSPENDA o processo de tramitação e não aprove o Projeto de Lei Complementar n.o 174/2020 (…) que utilizem como justificativa a arrecadação de recursos financeiros para “o enfrentamento das crises sanitária e econômica oriundas da pandemia da covid-19”, até que sejam divulgados à população municipal: (…) 3. Quantos imóveis e quais foram beneficiados com as isenções ou descontos ou remissões de IPTU, quais critérios foram adotados e quanto o Município do Rio de Janeiro deixou de arrecadar com tais isenções; 4- Quantas e quais empresas foram beneficiadas com as isenções ou descontos ou remissões de impostos municipais, quais critérios foram adotados e quanto o Município do Rio de Janeiro deixou de arrecadar com tais isenções; 5- Informar qual é a expectativa de arrecadação financeira com a aprovação do Projeto de Lei Complementar n.o 174/2020, a fim de justificar a violação do inciso VIII do artigo 30, do caput e parágrafos do artigo 182 da Constituição Federal e respectivamente dos Projetos de Estruturação Urbana (PEUs), legalmente instituídos em diversos bairros do Município em atendimento à norma prevista no artigo 68 do Plano Diretor do Município do Rio de Janeiro (Lei Complementar 111/2011); 6- Informar a quantidade e os respectivos endereços dos imóveis ociosos no Município do Rio de Janeiro que poderão gerar recursos, através da cobrança de IPTU progressivo no tempo, previamente autorizada no artigo 182, § 3o, inciso II da Constituição Federal. (…)”
IAB-RJ (Instituto dos Arquitetos do Brasil, RJ): “(…) No caso em apreço, afirma‐se que nunca se viu uma tentativa tão drástica de desconhecimento de todo o arcabouço legislativo urbanístico e edilício na história da nossa cidade, na medida em que o referido Projeto de Lei altera índices e condições de quadras inteiras com impacto em conjuntos de quadras.” (…)
CAU-RJ (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do RJ): “(…) Mais uma vez, um PLC que trata de matéria urbanística é apresentado sem estudos técnicos que justifiquem e embasem as propostas nele apresentadas. A proposta não foi objeto de discussão com a população, de debate em audiência pública, nem sequer pautada no Conselho Municipal de Política Urbana (Compur), em que o CAU/RJ tem assento.(…)”
CREA-RJ (Conselho de Engenharia e Agronomia do ERJ: “(…) Desta vez, usando a justificativa de que a pandemia trouxe despesas não esperadas, estaremos abrindo mão de um ordenamento urbanístico saudável, em função do aumento de receita aos cofres municipais (…). Os profissionais pertencentes à categoria que tem suas prerrogativas junto ao Crea-RJ, mais uma vez foram preteridos nos debates e consultas sobre o tema, esta não é a maneira correta de se legislar sobre tão importante tema.“
IPPUR (Instituto de Planejamento e Pesquisa Urbana e Regional da UFRJ): “(…) O processo de apresentação deste Projeto de Lei fere sobremaneira a gestão democrática da cidade, diretriz consagrada no Estatuto da Cidade e no Plano Diretor em vigor. O escasso debate mobilizado nas esferas públicas tem se dado sem a apresentação de um diagnóstico consistente sobre os possíveis impactos decorrentes da aprovação da lei. Não foram apresentadas razões técnicas que justifiquem a alteração dos parâmetros urbanísticos, nem o impacto dessas mudanças sobre a cidade, seja em termos de infraestrutura, de ambiência urbana e de qualidade de vida dos moradores.(…)”
IBDU (Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico): “(…) Trata-se da submissão a uma lógica de “ajuste urbano” antidemocrática e que enxerga a cidade sob uma lógica meramente empresarial, sem a preocupação com a melhoria das condições de vida e o direito de participação dos citadinos. Alterações desse tipo precisariam passar por um processo longo de consultas técnicas, audiências públicas e apresentação de estudos de impacto, para que só então pudesse ser analisada pela Câmara.(…)”
Clube de Engenharia RJ: “(…) O Clube de Engenharia, com posição firmada em defesa do planejamento urbano como melhor meio para ordenar a ocupação do espaço em que vivemos, conclama os vereadores a rejeitarem o PLC 174/2020, pois desconstrói sumariamente as conquistas das últimas décadas, consubstanciadas na criação do Conselho Municipal de Política Urbana (COMPUR) e na instituição de procedimentos participativos na elaboração e nas revisões do Plano Diretor de nossa cidade.”
Como visto acima, não é pouca coisa contra não. Tudo documentado e assinado. Então, melhor a Câmara de Vereadores cumprir o melhor a ser feito: devolver o projeto para que o Executivo cumpra o devido processo legal de tramitação do mesmo, com consultas e audiências públicas cabíveis.
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