Justiça seja feita: Rio salvo da “pandemia” urbanística, por ora…

SMU não apresentou estudos técnicos para o encaminhamento da proposta legislativa

Sonia Rabello

Publicado originalmente no site www.soniarabello.com.br

Finalmente, a Justiça do Rio concedeu liminar para sustar, na Câmara de Vereadores, a tramitação do Projeto de Lei Complementar 174/2020 e que criaria a pandemia urbanística na Cidade a troco de uns tostões.

A liminar não foi dada no Mandado de Segurança impetrado pelos 11 vereadores que já anteviam a ilegalidade na tramitação do referido projeto, mas sim em uma Ação Civil Pública (ACP) impetrada pelo Ministério Público do Estado no último dia 15 de julho. No dia seguinte, nesta quinta-feira, dia 16, saiu a liminar. Como  a ACP foi distribuída por dependência (o mesmo assunto), a decisão de dar ou não a liminar foi do mesmo Juiz de 1º grau. Desta vez, ele se convenceu do seu cabimento.

De fato, a petição inicial do MP/RJ é uma peça para lá de robusta. Não só é volumosa (são oitenta e uma páginas de fundamentação, além dos anexos), mas também do ponto de vista de sua fundamentação fática e jurídica.

Estudos técnicos – O MP/RJ, por sua área especializada – o Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (GAEMA) – fez mais estudos sobre o projeto do que a Secretaria de Urbanismo (SMU) quando esta apresentou o PLC à Câmara de Vereadores. Aliás, a SMU não apresentou quaisquer estudos técnicos para o encaminhamento da proposta legislativa. Achou que bastava uma fala da titular da pasta e alguns slides de power point. Não bastou, já que, além de apresentarem dados de 20 anos atrás, conforme petição do MP, a apresentação foi primária, escolar. E, por isso, para lá de insuficiente.

A liminar foi dada, nesta última ação (a ACP) determinando que o projeto cumpra as exigências de procedimento que as normas urbanísticas impõem, para que as mesmas se legitimem, e, por consequência sejam regulares:

(1)“elaboração de todos estudos e diagnósticos técnicos previstos na legislação de regência, (2) participação popular [no seu processo de elaboração no Executivo, e não em uma pseudo audiência pública virtual na Câmara], (3) submissão ao COMPUR” (Conselho de Política Urbana do Município).

Nunca é demais reafirmar que o próprio COMPUR, órgão máximo do Município em matéria de apreciação de projetos de lei em matéria urbanística, aprovou moção de procedimento, em julho de 2019 que diz exatamente isso, e que abaixo transcrevo.

Se esta proposta legislativa é boa ou ruim, não basta o “eu acho” das autoridades eleitas ou de plantão nos cargos em comissão. Propostas legislativas de cunho urbanístico, ainda que pandêmicas, têm que ser apresentadas com os estudos nas quais se baseiam, serem discutidas com os cidadãos da cidade em audiências públicas e com respostas, explícitas, a todos os seus questionamentos, e depois submetidas ao COMPUR.

Sem isso, o procedimento é viciado, e, por isso ilegítimo, e, consequentemente, é ilegal.

Moção do COMPUR aprovada em 23/07/2019:

O COMPUR, criado pela lei 3957/2005, e nos termos dos incisos VIII, X, XII do seu Regimento Interno (Resolução 01/2005), submete e propõe ao Colegiado o seguinte moção de procedimento:

todas as matérias submetidas ao COMPUR e que tratem de alteração na legislação urbanística, ou que tratem, na forma ou no seu conteúdo de implantação das políticas urbanas, especialmente quando as mesmas tiverem por objetivo se materializar em projetos de lei a serem encaminhados pelo Executivo, devem ser objeto de remessa aos seus membros com antecedência necessária para exame e debates prévios, e acompanhado dos devidos estudos técnicos que justificam a proposta.

quando as propostas forem apresentadas diretamente em reunião do COMPUR, a matéria deverá então ser objeto de pauta para mais uma próxima reunião, para que a integridade da proposição, acompanhada dos estudos técnicos         que a justificam, possa ser levada ao conhecimento prévio das organizações civis para as consultas necessárias, e agendamento de debate no COMPUR com as informações estudadas por todos os seus membros.

Justificativa: A lei que instituiu o COMPUR lhe deu o papel relevante de ser “órgão participativo e consultivo do Poder Público Municipal, relativo ao desenvolvimento urbano, com vistas ao Sistema Municipal de Planejamento”.  Esta relevância significa dizer que ele é órgão essencial à integração da participação da sociedade na implementação da política de urbana e do seu plano diretor, nos termos do art.5º, inc.VII da lei complementar 111/2011 que diz:

VII – da participação pública efetiva e continuada, através dos Conselhos Municipais, Conferências da Cidade, Audiências Públicas e da disponibilização ampla de informações qualificadas sobre a Cidade”.

Portanto, o COMPUR, pelos seus membros, tem a obrigação e o dever de opinar (dar parecer) sobre todos os assuntos que a lei lhe deu competência para tal* e, para tanto, não poderá fazê-lo senão baseado em “informações amplas, qualificadas e disponibilizadas sobre a Cidade” e de suas propostas de planejamento e política urbana.

Sem estas informações amplas, qualificadas e disponibilizadas é notório e elementar

que sua função legal não poderá ser exercida com a legitimidade que o Plano Diretor, e o sistema legal de planejamento urbano requer.

Ainda que a manifestação do COMPUR não tenha caráter vinculatório para a decisão da chefia do Poder Executivo Municipal, a manifestação do COMPUR tem o caráter obrigatoriamente instrutório do processo decisório das políticas de planejamento urbano municipal.  Neste sentido, o peso de seus debates e de difusão de informações para legitimação da construção e gestão do planejamento urbano é central no processo das políticas públicas; e este processo de formulação de políticas públicas não se fazem, nos dias atuais, senão com informações amplas, qualificadas e disponibilizadas.

A proposta de moção acima concretiza as diretrizes legais que direcionam a atuação do COMPUR, e as expectativas do Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro, 23 de Julho de 2019″

 

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